O fato de o governo cumprir a regra fiscal conta pouco na avaliação de analistas de mercado porque a dívida pública está subindo, disse o economista-chefe da gestora de investimentos Quantitas, Ivo Chermont, 44 anos.
As exceções à meta fiscal, como os gastos com catástrofes, reduzem sua credibilidade. “O mercado está muito mais interessado na sustentabilidade da dívida do que se vai cumprir ou não a meta”, afirmou Chermont.
Assista à entrevista (30min20s):
Chermont avalia que há risco de a baixa popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) resultar em aumento de gastos públicos.
A tendência de redução da atividade econômica eleva as chances de o governo elevar gastos, disse Chermont. “Uma grande dúvida é como o governo vai reagir à eventual desaceleração que o Brasil deve enfrentar a partir do 2º trimestre”, afirmou.
Abaixo, trechos da entrevista:
- Selic – “[Sobre a] decisão da taxa de juros em si, acho que não tinha ansiedade do mercado. Em dezembro, eles [BC] deram o guidance tanto para a decisão de agora quanto para março. Para fugir disso [alta de 1 ponto percentual], só se algo saísse muito do normal”;
- comunicação – “Foi mais dovish [fraca] do que eu imaginava. Dado o estado atual de credibilidade da política econômica pelo mercado, não era a hora de o BC baixar a guarda. [Poderia] puxar a expectativa, quebrar a espinha, quebrar as expectativas que estão se descolando da meta [de inflação] de novo. [O BC] deixou o leque muito aberto. Uma coisa é dizer que não sabe quanto vai subir [a Selic] em maio. Outra coisa é dizer que não sabe o que vai fazer”;
- expectativa para a Selic – “A gente na Quantitas tem projeção de Selic a 16% ao ano para o ciclo que acaba em julho. Fica parado por um bom tempo. A maior parte das pessoas está entre 15% e 16%. [Mas] as projeções agora têm viés de baixa”;
- consequências – “Provavelmente [a comunicação do BC] vai fazer com que a expectativa do Focus continue andando. Os inputs que ele [BC] coloca no modelo podem piorar de tal forma que ele pode ter que dar mais [no patamar da Selic], não menos. Estou bem cauteloso em recuar na expectativa de alta, porque acho que as coisas podem piorar”;
- alternativa – “Um comunicado hawkish, mais duro, aumentaria a chance de ter controle maior. Uma das variáveis mais importantes para o modelo [que o BC usa] é a expectativa de inflação do mercado. O BC mais hawkish em dezembro ajudou”;
- efeito das contas públicas – “O fiscal pode contribuir para a inflação principalmente pela falta de credibilidade da política fiscal, como é o caso hoje. Acaba-se tendo movimentos da moeda muito agressivos, como a gente viu no final do ano passado. Tem também a percepção por parte do mercado de que o fiscal continuará a estimular a economia. [Isso] faz com que o mercado tenha projeções de inflação cada vez mais altas, a despeito de uma Selic também [subir]. Tem o próprio canal da demanda agregada: o fiscal expansionista, como a gente viu nos últimos 2 anos, estimulando a economia”;
- avaliação do mercado – “Algo que evoluiu desde que entrei no mercado em 2006 é a difusão de informação. Hoje é tudo mais homogêneo. O governo tem um diagnóstico de que é injustiçado. Continua batendo na tecla que vai cumprir o arcabouço fiscal. Só que quando se faz conta, há o aumento de endividamento. Não é compatível com o discurso. Não acho que seja injustiçado”;
- dominância fiscal – “Não é uma questão de 8 ou 80. É um processo contínuo de deterioração das contas públicas. Em algum momento, subir os juros passa a ser contraproducente porque atrapalha a sustentabilidade da dívida. A gente vai aos poucos caminhando para lá. O BC ainda tem trabalho a fazer para controlar expectativas. Não está de mãos amarradas. Ainda não”;
- benefícios de ajuste – “Contas públicas organizadas permitem trabalhar com nível de juros mais baixo. Isso estimula investimento privado e inovação. As pessoas ficam mais produtivas, os salários melhoram e tudo anda bem mais facilmente”.