O novo líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), disse ao Poder360 que o partido lidará com a oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “sem entrar na provocação”, mas que não fará acenos à ala bolsonarista. Segundo ele, é preciso que a esquerda estimule outros sentimentos para desviar a atenção da população dos discursos da direita nas redes sociais.
“Não tem nada de aceno. Quem está lá não quer vir para cá. Não tem que chamar eles, tem que chamar o povo”, afirmou em entrevista, em seu gabinete, na 5ª feira (6.fev.2025).
Com 56 anos, Carvalho está em seu 1º mandato como senador. Antes, foi deputado estadual, deputado federal e secretário de Saúde de Sergipe. Ele já havia liderado a bancada petista no Senado em 2020, no 1º ano da pandemia e quando Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) presidia o Senado pela 1ª vez.
Na semana passada, Alcolumbre voltou ao comando da Casa Alta, com o apoio do PT e do PL, principal partido de oposição a Lula. Carvalho diz que suas expectativas para Alcolumbre e para o novo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), são “boas”.
“Não acredito que vão pautar qualquer coisa que crie dificuldades para as disputas futuras maiores que querem fazer. Vejo neles uma certa ponderação. Não são desprovidos de filtros. Acho que vai terminar bem”, afirmou.
Ele ainda disse que pautas como a redução da maioridade penal precisarão ser debatidas em algum momento, defendeu mudanças no alcance do BC (Banco Central) e afirmou que o governo Lula precisa assumir melhor suas conquistas.
Leia a entrevista com Rogério Carvalho:
Poder360: O que o PT espera do novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre?
Rogério Carvalho: Minhas expectativas são boas. Quando foi presidente do Senado de 2019 a 2021, Davi nunca pautou projetos da oposição para criar dificuldades ao governo da ocasião. Ele foi muito decisivo para evitar as consequências de atitudes inconsequentes do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele não só amorteceu as tensões daquele período como também as enfrentou. No discurso que fez depois da vitória, disse que vai pautar projetos para melhorar a vida do povo brasileiro. Na pauta econômica, sobretudo, acho que vamos avançar muito com projetos que vão impactar a vida das pessoas, o que é o mais importante.
Passada a eleição, quais consequências esperam do fato de Alcolumbre participar de uma aliança com o PL?
A meu ver, o Davi e o presidente da Câmara, Hugo Motta, são políticos que têm muitos anos de carreira e estão construindo suas biografias. Eu não acredito que eles vão pautar qualquer coisa que possa criar dificuldades para as disputas futuras maiores que eles possam querer fazer. Vejo neles uma certa ponderação, uma certa moderação no jeito de lidar com as situações, no jeito de falar. Acho que vai terminar bem.
Quais são as prioridades da esquerda para a pauta do Congresso?
Destaco aqui algumas pautas econômicas: isenção de imposto de renda para salários até R$ 5.000, conclusão da regulamentação da reforma tributária, barateamento do crédito pessoal e a ampliação do alcance da gestão monetária do Banco Central no mercado financeiro. A questão da reforma da renda é fundamental para promover a distribuição da riqueza e da justiça tributária. Quem paga mais imposto é quem ganha menos na proporção. Os 25 projetos mencionados pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, são projetos de ajustes.
Quais são as mudanças no Banco Central que o sr. gostaria de ver?
É preciso tornar os instrumentos mais eficazes para ampliar o alcance do BC e fortalecer sua capacidade da autoridade monetária sobre o sistema financeiro. Atualmente, o BC só consegue fazer a gestão sobre 25% do volume de recursos que circula. Tem autonomia sobre câmbio e taxa básica de juros, mas sobre a gestão monetária propriamente dita, a gestão da liquidez interbancária, ainda emite títulos públicos. Temos que criar dispositivos legais, portanto, para agir na gestão monetária sem precisar emitir títulos de curto prazo para tirar dinheiro do mercado.
E qual a sua avaliação sobre a proposta de conferir autonomia financeira e orçamentária ao Banco Central que tramita no Senado?
Eu não vejo isso como um problema. O PT, por exemplo, apoiaria. Particularmente, acho que o Banco Central precisa ter um pouco dessa autonomia. A proposta de mudança de natureza jurídica do BC é que está equivocada.
Quais são os temas que a esquerda precisa combater com mais força?
Na era digital, precisamos fazer um combate de resgate dos valores do mundo civilizado, como a solidariedade e a compaixão. Não temos que ficar enfrentando o ódio. As pessoas carregam os instintos primitivos insuflados pelas redes digitais, como a raiva e a ira, mas também carregam o sentimento de solidariedade, de compaixão e de amor. Só que isso não está sendo estimulado. No momento, a sociedade está vivendo em função de uma narrativa de ódio, briga e disputa. Então, temos que desenvolver o outro lado do senso comum para abrigar uma nova agenda política e social.
Mas a oposição também vai lutar pelas suas pautas, como a redução da maioridade penal. Parece que há um apelo entre os congressistas para o tema ser debatido na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) em 2025. Como vocês vão lidar com isso?
Vamos ver como é que a gente vai lidar. É um tema que já tem 10 anos, vem desde o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. O justiçamento é uma coisa fácil de entender. A vingança mexe com o instinto. Lidar com isso é uma coisa muito delicada, eu particularmente acho que o debate desses temas precisa ser ampliado na sociedade, não podemos fugir o tempo todo. O problema é que o momento não é de discussão, é de lacração, ninguém está preocupado em resolver as mazelas da segurança pública nem resolver o sofrimento das famílias que perdem seus entes ou diminuir a violência. Tudo o que a oposição quer é ter um ganho imediato. Não dá pra debater temas tão complexos desse jeito.
Há o poder das big techs sobre o controle dos algoritmos. O ressentimento e a frustração são sentimentos mais fáceis de serem manipulados e galvanizados. Como, então, subverter essa lógica?
Pela política. Temos que nos reinventar. Teremos que ir para outro campo na disputa, ter outra estratégia. Se continuarmos batendo de frente, só vamos reforçar o ódio. Não podemos entrar em provocação. Quem está lá não quer vir pra cá. Não tem nada de aceno com o outro lado. Nós temos que chamar o povo para o nosso lado. No final das contas, quem vota é o povo. Temos que fazer outro tipo de discurso, mudar a forma de falar e de se posicionar.
Isso passa, necessariamente, pela mudança da comunicação do governo, certo?
A comunicação do governo está mudando.
Tivemos, na última semana, a disputa dos bonés. Não é entrar na provocação?
Demos outro tipo de resposta. Não foram eles que provocaram a gente. Eles se dizem patriotas, mas colocam o boné do Donald Trump com os dizeres de tornar os Estados Unidos grande novamente. São nacionalistas dos americanos. Então, fomos para o outro lado. O brasileiro não é o patriota americano. Quem defende o Brasil são os brasileiros.
O sr. fala em ignorar a oposição, mas foi bastante contundente com o senador Flávio Bolsonaro em uma sessão da CCJ em dezembro de 2024. Disse, inclusive, que o pai dele, o ex-presidente Jair Bolsonaro, deveria ser preso. Isso não vai na direção contrária do que o sr. está defendendo?
Você viu o que aconteceu? Eu fiquei ali por 45 minutos ouvindo os senadores Flávio Bolsonaro, Eduardo Girão e Magno Malta. Eu só tinha 10 minutos para falar. E no momento em que eu tentava despertar uma reflexão para fugir daquela armadilha, ele [Flávio Bolsonaro] não deixou. Quando ele não deixou, fiz o enfrentamento para barrar o desrespeito. Não é pacificação.
Mas para além do resgate dos afetos que o sr. está dizendo, é preciso também melhorar a vida material das pessoas. O problema é só de comunicação?
Há um problema mais sério que a comunicação. O governo não assume suas conquistas. Em 2 anos de governo, já mudamos algo na vida das pessoas. O Brasil tinha 33 milhões de pessoas passando fome, derrubamos isso para 7 milhões. Tivemos o aumento do salário mínimo, a economia está crescendo, diminuímos o desemprego. Voltamos a ter distribuição de renda no país. Em 2023, tivemos um déficit de R$ 240 bilhões. Em 2024, foi quase 0, e ainda pagamos os precatórios do Bolsonaro e mantivemos a desoneração. Poderíamos até ter tido superávit se não fosse isso. Mesmo assim, não desvinculamos o salário mínimo. Então, a gente não tem que entrar no debate da oposição.
Mas se há tantas conquistas, por que há tanta dificuldade em comunicá-las?
Como o Sidônio Palmeira [chefe da Comunicação do governo] disse, nós estamos submetidos a uma censura do tipo de informação que vai para o consumo e do tipo de informação que deverá ser consumida. O sistema é autônomo. Hoje, quem manda no mundo são as big techs. Isso é duro. Então, o governo terá a tarefa de ser mais direto, simples e objetivo na sua comunicação.
Voltando ao Senado, como o sr. analisa a perspectiva de a oposição ter a maioria dos assentos nas próximas eleições em 2026? O mote do impeachment de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) vai ter grande apelo popular.
A direita já tem maioria na Casa. A centro-direita já tem maioria, sempre foi assim. Quando foi que a esquerda teve maioria no Senado? O que acontece é que parte da direita estava camuflada. A direita, de uma forma geral, segue o fluxo factual, não tem compromisso tampouco faz análise histórica. Ela vive disso. Mas é bom lembrar que, durante a pandemia, tínhamos minoria no Senado e mesmo assim derrotamos Jair Bolsonaro com a instalação da CPI da Covid.
Por último, senador, quem são as lideranças dentro do PT ou do governo que podem se viabilizar em um cenário pós-Lula?
Se o presidente Lula tiver condições físicas, ele será o candidato em 2026. Nós temos presidente e candidato. O que vai acontecer em 2030 ninguém sabe. Mas há um monte de ministros e 2 ou 3 governadores que têm condições de ocupar um novo espaço, como os ministros Camilo Santana, Fernando Haddad, Geraldo Alckmin, Helder Barbalho. Não faltam nomes.