Henrique Meirelles, 79 anos, ex-presidente do BC (Banco Central) e ex-ministro da Fazenda, avalia que o estímulo à expansão dos gastos públicos para impulsionar o PIB (Produto Interno Bruto) provoca o efeito oposto: a queda do crescimento.
Em entrevista ao Poder360, ele afirma que as consequências são danosas à atividade econômica e cita o aumento da dívida em períodos diversos da história do Brasil como um fator adverso.
“Existe uma corrente de pensamento econômico que acha o contrário, que para crescer mais, o governo tem que gastar mais, que vai impulsionar o crescimento. O problema é que isso gera insegurança, aumenta a dívida, a taxa de risco, os juros e [o país] acaba crescendo menos. Às vezes até leva à recessão, como é o caso de 2016”, declara.
Meirelles também fala sobre o forte crescimento nos anos 1970 –quando o país estava sob uma ditadura militar (1964-1985)– que se deu depois de o governo recorrer a empréstimos vultosos, alavancando o crescimento da economia brasileira naquele momento. De 1968 a 1973, o PIB (Produto Interno Bruto) do país cresceu, em média, 11,1% ao ano.
Esse período ficou conhecido como o “milagre econômico brasileiro”. Meirelles lembra que o país entrou em crise nos anos 1980, quando a autoridade monetária dos EUA decidiu elevar a taxa de juros norte-americana a grande patamar.
As consequências foram drásticas por causa do endividamento do Brasil. O país mergulhou numa hiperinflação e patinou do ponto de vista econômico. O período foi chamado de a “década perdida”.
Na avaliação de Meirelles, o período de alto crescimento e as dificuldades que vieram depois foram consequências da situação global que o país não conseguiu usar favoravelmente.
Meirelles esteve à frente do Banco Central, de 2003 a 2010, nos 2 primeiros mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Afirma que os resultados positivos do governo naquele período se deram por 2 motivos:
- austeridade fiscal; e
- controle da política monetária.
“Uma das grandes vantagens do 1º mandato de Lula é exatamente isso, uma disciplina fiscal forte, que permitiu ao país crescer bastante”, diz o ex-chefe do BC.
Ao Poder360, ele também fala sobre a decisão de criar o teto de gastos no governo Michel Temer (MDB), o atual momento da economia brasileira e as dificuldades de controlar despesas para conter a trajetória da dívida pública, que terminou 2024 em 76,1% do PIB.
Leia a entrevista abaixo:
Poder360 – Houve avanços consideráveis nos indicadores sociais durante a redemocratização, mas, ao mesmo tempo, o Brasil apresenta uma dificuldade quanto ao crescimento da economia. Em contrapartida, durante a ditadura militar, o crescimento se deu em patamar elevado. A que isso se deve? Qual é o balanço que a gente pode fazer disso?
Henrique Meirelles – O Brasil está inserido no contexto global. A década de 1970 foi uma época em que o Banco Central americano manteve os juros muito baixos. Na época, o presidente do Banco Central, Arthur Burns, atendia os pedidos do então presidente [Richard] Nixon [Partido Republicano] para baixar a taxa de juros, não subir. Foi um período de alta liquidez mundial.
Nesse período, o Brasil, o governo –notadamente o endividamento público–, mas também um pouco o setor privado, tomaram empréstimos em volumes elevados, aproveitando um período de alta liquidez. Ao optar por esses empréstimos, de fato houve um crescimento forte durante uma década. De 1970 até 1980.
Nessa época, mudou a política do Banco Central americano. Assumiu lá o Paul Volcker, o presidente já era o Jimmy Carter [Partido Democrata], e o Paul Volcker subiu fortemente a taxa de juros para controlar a inflação alta nos Estados Unidos, uma inflação para os padrões americanos muito alta, mais de 7%. O Paul Volcker elevou a taxa de juros a patamares impensáveis nos Estados Unidos –a 20% a taxa básica do Banco Central americano, equivalente à Selic aqui.
Isso gerou uma crise no início da década de 1980, em diversos países altamente endividados, inclusive o Brasil. Em função disso, o governo brasileiro optou por pagar os vencimentos dessa dívida. Na medida que não existia mais, a partir da década de 1980, a disponibilidade desses recursos, muita liquidez, taxa de juros baixa. Então, o país entrou num período difícil e a solução achada pelo governo brasileiro foi fazer uma expansão monetária, a autoridade monetária da época, fazer uma expansão monetária e pagar com isso as parcelas da dívida –eram volumes enormes. [Isso] fez com que o país entrasse numa hiperinflação.
Nós tivemos 10 anos de alto crescimento e depois um período mais de uma década de crescimento baixo e inflação elevada acima de 100% ao ano. Uma parte disso ainda no regime militar até 1985 e depois entrou o governo de [José] Sarney, na medida que morreu o presidente que tinha sido eleito pelo colégio eleitoral, o Tancredo Neves, mas o fato é que a política continuou. Uma política de emissão de moeda para pagamento da dívida e inflação elevada.
O governo tentou controlar a inflação por meio de diversos planos de congelamento de preços: Plano Cruzado, Plano Verão, plano feijão com arroz etc. Isso não funcionou até 1994, quando Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda, implementou o Plano Real e aí, de fato, controlou a inflação, mas ancorou o real no dólar para poder sustentar. Isso durou até 1999, quando o Banco Central não conseguiu mais segurar o real no dólar, a cotação 1 para 1, e foi quando houve a situação do câmbio e criou-se o sistema de metas de inflação e metas fiscais.
Foi uma crise, mas foi um momento em que se modernizou muito a economia brasileira, a administração da economia brasileira, os funcionamentos, isso aí no final da década de 1990, no 2º governo do Fernando Henrique. Aí, nós tivemos um período de crescimento estável, mas com um endividamento público subindo devagar. Isso até o término do governo de Fernando Henrique etc.
Entrou o governo de Lula, quando aí houve a implantação de uma novidade que foi a austeridade fiscal, na época do 1º mandato dele, e um controle da política monetária pelo Banco Central. Foi o período em que eu fui presidente do Banco Central por 8 anos, em que o Brasil cresceu muito: em média, 4% ao ano. Criou 11 milhões de empregos.
Depois, nós entramos no governo da Dilma [Rousseff] em 2011. A economia estava crescendo razoavelmente. Tinha crescido muito em 10%, 7,5% ao ano, mas depois foi baixando devagar até estar aqui. Entrou em recessão nos anos de 2015, 2016, em função da insegurança fiscal. Então, a partir daí, fui para o Ministério da Fazenda, quando Michel Temer assumiu a Presidência, e nós fizemos aí a implantação do teto de gastos que estabilizou a economia, e ela entrou na normalidade.
O Brasil crescendo em média ao redor de 2% e pouco, às vezes um pouco mais. Basicamente é isso: foi um período bastante longo, com diversas fases na economia, mas com um saldo muito positivo, porque no final temos aí uma economia robusta, funcionando com alguns princípios muito importantes, como a responsabilidade fiscal, que é o teto de gastos agora, o arcabouço fiscal, e também com a evolução no que diz respeito à produtividade, com algumas coisas, algumas reformas que foram feitas na época do Temer, como a Trabalhista, a Lei das Estatais, a reforma das transações financeiras digitais etc.
Agora, houve a aprovação da Reforma Tributária e a economia começou a, digamos, evoluir normalmente durante esse período. Acredito que sumariza a economia brasileira durante esses 4 tempos.
Até que ponto o componente político atrapalha para um crescimento econômico no Brasil mais consistente?
O problema agora é o aumento da dívida pública, que gere possibilidade ou desconfiança, da sustentabilidade disso. Então basicamente é isso, mas tem funcionado normalmente dependendo do governo, como o governo Lula 1, por exemplo, o último mandato do Fernando Henrique, o 1º mandato também foi um crescimento médio, o Lula 1 cresceu bastante, Lula 2 ainda continuou crescendo. No período da Dilma, houve um declínio da taxa de crescimento e nos 2 últimos anos, uma recessão, que foi corrigida por meio do teto de gastos. Então, isso é normal. Quer dizer, reflete as mudanças em política econômica dos diversos governos do período.
A parte fiscal é uma preocupação. O mercado está sempre fazendo um alerta sobre o tema e a necessidade de cortar gastos. Gostaria que o senhor comentasse esse ponto também. Como isso interfere no crescimento econômico?
Isso é muito importante, porque, evidentemente, no momento em que a dívida pública começa a crescer muito, devido ao aumento dos gastos públicos, isso gera um aumento dos prêmios de risco.
A gente fala de inflação, o Banco Central tem que subir os juros. Isso de fato influencia. Uma das grandes vantagens do 1º mandato de Lula é exatamente isso: uma disciplina fiscal forte, que permitiu o país crescer bastante, ancorado, portanto, numa disciplina fiscal sólida, o que permitiu que o setor privado investisse, crescesse e contratasse um período bastante positivo para a economia brasileira.
No momento em que há uma maior disciplina fiscal, o país tende a crescer mais e de uma forma mais sustentável. Evidentemente, existe uma corrente de pensamento econômico que acha o contrário, que para crescer mais o governo tem que gastar mais, que vai impulsionar o crescimento. O problema é que isso gera insegurança, aumenta a dívida, a taxa de risco, os juros e [o país] acaba crescendo menos. Às vezes até leva a recessão, como é o caso de 2016.
E hoje o senhor avalia que essa corrente de elevar os gastos públicos para impulsionar a economia está prevalecendo?
Eu não diria prevalecendo. Eu diria que ela tem uma ala de um governo forte que defende muito isso. O ministro Fernando Haddad [Fazenda] não é dessa tese, mas ele tem que administrar um governo que é formado dessas correntes. Então, tem que equilibrar entre essa corrente que acha que gastar mais vai crescer, e a necessidade da disciplina fiscal etc. Então, fica no meio-termo.
O Poder360 preparou uma série especial de reportagens sobre os 40 anos de democracia no Brasil. Leia abaixo:
- Democracia faz 40 anos com resultado medíocre na economia
- Brasil completa 40 anos de democracia, maior período da história
- PIB per capita do Brasil tem 8º pior crescimento do G20 desde 1985
- Hiperinflação ficou para trás, mas ainda há aceleração de preços
- Expansão rodoviária desacelera nos últimos 40 anos
- Privatizações avançaram com redemocratização
- Antes mais rico, Brasil tem 12% do PIB chinês e 56% do indiano
- Peso da indústria brasileira no PIB cai no pós-redemocratização
- Indicadores sociais do Brasil avançam com redemocratização
Leia as entrevistas da série especial:
- José Sarney | “O coração da democracia é a liberdade”
- André Lara Resende | “Economia em 40 anos foi decepcionante”
- Henrique Meirelles | “Gastar mais causa insegurança e o país cresce menos“
- Maílson da Nóbrega | “Falta de investimento público impede crescimento”