A família imperial japonesa, com quem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se encontra na 3ª feira (25.mar.2025), é considerada a mais antiga do mundo. A narrativa tradicional sobre a origem da corte imperial remonta a 2.685 anos atrás, quando Kamu Yamato Iware Hiko, que se tornaria o imperador Jimmu (Divino Guerreiro), avançou para o leste e estabeleceu em Yamato, no ano de 660 a.C., a 1ª unidade política do país.
A narrativa tem como base o conjunto de crônicas Nihon Shoki (720 d.C.), segundo as quais Jimmu seria o trineto de Amaterasu Omikami, a deusa do Sol, conferindo ao imperador o estatuto de divindade.
A condição divina durou até o fim da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), momento em que o imperador foi destituído também de suas funções políticas, tornando-se uma figura simbólica e representativa da união nacional japonesa. Ainda assim, ele permanece como uma alta autoridade do xintoísmo.
No mesmo ano de 1947, foi estabelecida a Lei da Casa Imperial, que, logo em seu 1º artigo, manteve a regra de que o Trono do Crisântemo pode ser ocupado apenas por homens. Essa é uma das normas mais debatidas atualmente, dada a popularidade da princesa Aiko (2001 -), filha do atual imperador, Naruhito (1960 -)
De acordo com a lei, o segundo na linha de sucessão, depois do irmão do imperador, Fumihito (1965-), é o sobrinho do imperador, o príncipe Hisahito (2006 -).
Origem controversa
Apesar da oficialidade da data de 660 a.C., há consenso entre os historiadores de que o império japonês provavelmente teve origem entre os séculos 3 e 4 d.C.
“Quando em 1940, o governo japonês celebrou com grande propaganda o 2.600º aniversário da ‘fundação’ do Estado japonês, o fez seguindo ao pé da letra a cronologia de ‘Nihon Shoki’”, escreveu em 1967 o historiador americano do Japão John Whitney Hall no clássico O Império Japonês (Das Japanische Kaiserreich).
Segundo Hall, essa cronologia foi calculada com o uso de um sistema de ciclos históricos importados da China. O próprio nome de Jimmu e o conceito de imperador soberano foram construções posteriores dos historiadores japoneses, e há controvérsias inclusive sobre a historicidade de Jimmu e de sua expedição ao leste.
Ainda assim, a celebração dos 2.600 anos em 1940 teve importância simbólica suficiente para que o presidente dos Estados Unidos à época, Franklin D. Roosevelt, enviasse ao então imperador Hirohito “sinceros votos de bem-estar para Vossa Majestade e sua família” em ocasião desse “aniversário memorável”. No ano seguinte, o próprio Roosevelt assinaria a declaração de guerra ao Japão, país que seria alvo dos dois bombardeios americanos a Hiroshima e Nagasaki.
Apesar das controvérsias sobre as origens da família imperial, não há dúvidas de que em Yamato surgiu um poderoso clã familiar que reivindicava pertencer à Linhagem do Sol. E que, comparada a outras realezas antigas e sobreviventes, a japonesa é a mais longeva. Por exemplo, a família real do Marrocos tem seu marco de origem em 788; a do Camboja, em 802; e a da Inglaterra, em 827.
De acordo com a linhagem tradicional, Naruhito, com quem Lula se encontra pela 2ª vez, é o 126º ocupante de um cargo, que, ao longo dos anos, passou por mudanças em sua forma e em sua força – e até mesmo em sua localização, uma vez que a capital imperial foi transferida por pelo menos 3 vezes: de Fujiwara-Kyo, em Yamata, para Nara, em 710; de Nara para Heian-Kyo (atual Kyoto), em 784, e de lá para Edo (rebatizada Tóquio), em 1868.
Transformações: o xogum e o imperador
Entre as transformações de estrutura e de poder do imperador, pode-se destacar a prevalência dos senhores de terras a partir do século 8, com o aumento gradativo de poder dos clãs familiares aristocráticos.
Para proteger suas terras e garantir o pagamento de impostos, os senhores de terras passaram a contratar guerreiros profissionais, os samurai, que, aos poucos, formariam a classe mais poderosa no país.
No início do século 12, após uma luta entre os clãs Genji e Heiki, o líder do primeiro, Minamoto no Yoritomo se tornaria o primeiro xogum, título que significava algo semelhante a “general supremo”.
Enquanto a corte imperial permanecia em sua sede em Kyoto, o governo de base feudal e militar, o xogunato, com sede primeiro em Kamakura, depois em Edo (atual Tóquio), detinha o poder político e militar de fato.
A influência do imperador ficou, por séculos, relegada a um papel tão coadjuvante que, quando chegou ao Japão, o missionário jesuíta Francisco Xavier, escreveu sobre o assunto em carta enviada à Europa em 1552. Acerca da importância da classe militar no país, descreveu os japoneses como “muito belicosos” que “vivem sempre em guerras: quem mais pode, é mais senhor”.
Em referência à relação com o imperador, afirmava Xavier que o povo japonês “é gente que tem um só rei; porém há mais de cento e cinquenta anos que lhe não obedecem; por esta causa continuam as guerras entre eles”.
Durante o xogunato Tokugawa, o Japão ficou isolado do mundo por 200 anos, permitindo apenas contatos com coreanos, chineses e holandeses. Esse sistema, no entanto, entraria em crise. Abriu-se caminho, assim, para a extinção do posto de xogum e para a restauração do poder imperial supremo com a Era Meiji (1868-1912).
O imperador recuperava sua centralidade e o Japão e formaria a Dieta imperial, composta por duas câmaras, a dos Representantes, com eleitos por cidadãos masculinos que pagavam impostos; e a dos Pares, composta por membros da corte.
Porém, depois da 2ª Guerra, com a derrota e rendição japonesas, a família imperial passaria por nova transformação de seu papel.
Mulheres na sucessão
Ao contrário do primeiro-ministro Hideki Tojo, o então imperador Hirohito não foi julgado pelo Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente pelos crimes de guerra cometidos pelo Japão.
O comandante supremo das Forças Aliadas, que ocupou o Japão ao fim do conflito, percebeu que o imperador poderia cumprir um papel importante na unificação do país. No entanto, a ele foi conferido um papel simbólico, não mais político. A nova Constituição japonesa, que entrou em vigor em 1947, estabelecia no país uma monarquia parlamentar.
No mesmo ano, consolidava-se a Lei da Casa Imperial, que além de legislar sobre as regras de sucessão, excluiu 11 dos 12 ramos da família imperial, com o objetivo de cortar custos.
Além da regra que permite apenas homens ocuparem o Trono Crisântemo, retirando da princesa Aiko a possibilidade de tornar-se imperatriz, outro artigo debatido pela sociedade japonesa nas últimas décadas é o artigo 12. Segundo a norma, uma mulher membro da família imperial perde seu cargo na corte ao se casar com um plebeu.
Foi o que ocorreu, por exemplo, em 2021 com a princesa Mako, sobrinha do imperador, quando casou com Kei Komuro, seu namorado dos tempos da faculdade. Ao abrir mão do título imperial para si e para sua descendência, ela seguiu o mesmo caminho já tomado pelas princesas Ayako, em 2018, Noriko, em 2014, e Sayako, em 2005.
A pressão por reformas nas leis da casa imperial aumentou especialmente entre os anos 1990 e o início de 2006, porque, até aquele momento, tanto o imperador Naruhito quanto o seu irmão, Fumihito, só tinham filhas mulheres, que não poderiam sucedê-los.
A crise sucessória foi contornada com o nascimento de Hisahito, mas os debates sobre a modernização da lei continuam. Já em 2017, segundo a BBC, uma pesquisa realizada pela Kyodo News apontava que 86% da população apoiavam a nomeação de uma imperatriz e 59% apoiavam a permissão de um imperador vindo da linhagem feminina da família.
A lei, no entanto, segue a mesma de 1947. Um aceno recente aos novos tempos da família imperial, hoje com 16 integrantes vivos, foi a criação, em 2024, de uma conta no Instagram. O perfil oficial soma atualmente 1,9 milhão de seguidores.